terça-feira, 1 de março de 2011

Crônica: Dor nas costas, futebol e emoção

Boavista: campeão na emoção.
Nestário Luiz
1º/3/2011

Existe essa brincadeira, né: amor não é aquilo que, quando aparece, faz você não pensar em mais nada. O nome disso é dor. Amor é outra coisa. É verdade. Quando a dor chega, a nossa atenção e preocupações se voltam para ela. Não tem como esquecê-la. Quando a dor é nas costas, então. Nossos movimentos ficam limitados e a gente a todo instante é forçadamente lembrado que não pode se virar bruscamente ou se abaixar com tanta rapidez. Procure um médico sempre. Se você estiver em Assis e for usuário do Iamspe, provavelmente adotará os mesmos procedimentos que eu...

*

Vamos conhecer o Gabriel. Um rapaz de 28 anos, de 1,82m, pele morena, cabelos curtos e sempre bem penteados, roupas simples. Alegre, apaixonado pela família e amante do futebol. É torcedor do Boavista, time da cidade dele, Saquarema, que fica a 100 quilômetros do Rio de Janeiro. Apaixonou-se pelo time assim que ele foi fundado, em 2004. Identificou-se com o clube, com seu uniforme verde e suas boas primeiras apresentações.

Gabriel se mudou para o Rio de Janeiro há dois anos para trabalhar numa grande empresa. Depois de formado, enviou currículos e não demorou muito para que o convite viesse. A felicidade foi grande, mas a separação da família, principalmente da mãe, dona Rosa, seria difícil. “Virei sempre, o Rio é logo ali”, disse o garoto na despedida. E assim ele faz, sempre que pode.

Nosso amigo vive numa casa na Barra da Tijuca, zona oeste do Rio. É um lugar confortável e sem muitas mordomias. O garoto sempre foi simples e assim continuou mesmo após conseguir um bom emprego.

A única regalia que se permitiu fazer foi comprar uma bela TV de plasma de 42 polegadas. Motivo? Assistir ao seu futebol. Também gosta de filmes, vê vários, mas o futebol sempre está em primeiro lugar.

Há alguns quadros espalhados pela casa dele. A maioria é de sua madrinha, Raimunda, que pinta sempre que lhe sobra tempo. Gabriel a considera muito e é fã de suas obras. Também existem quadros de pintores mais famosos. Um deles é “Primeira Missa no Brasil”, de Cândido Portinari. É católico, como toda a sua família. Vai à igreja com certa frequência.

Nesses dois anos de Rio de Janeiro, Gabriel fez amigos, seja do serviço, da rua, do futebol. Sempre animado, aprecia reuniões nas casas dos amigos, mas não costuma ir a festas muito badaladas ou a casas de shows. Um bom papo em algum barzinho da Tijuca para ele é um ótimo programa.

Já disse que Gabriel é torcedor do Boavista e, por isso, ele nunca teve grandes emoções com sua equipe. Até que, numa certa edição do Campeonato Estadual do Rio de Janeiro, seu time surpreendeu, chegou à semifinal da Taça Guanabara, o primeiro turno do Estadual, desbancou o favorito Fluminense nos pênaltis e se classificou para a final. O jogo seria contra o Flamengo, que tinha em seu elenco um jogador chamado Ronaldinho Gaúcho, que chegou a ser campeão mundial com a Seleção Brasileira.

Nosso torcedor assistiu a várias partidas do Boavista, tanto no Rio de Janeiro, contra os times da capital, como no Estádio Eucy Resende de Mendonça, lá em Saquarema. Não poderia ficar de fora de um jogo histórico como aquela decisão. O acaso, porém, o tirou de campo. No domingo da partida, ele acordou com uma forte dor nas costas. Como não era fã de médicos e muito menos de automedicação, tentou se consolar em assistir ao jogo pela televisão. Ligou para seus companheiros de estádio, que, por sua vez, se solidarizaram e disseram que iriam assistir ao jogo na casa do amigo.

Gabriel, no entanto, conversou com os colegas até convencê-los a ir ao estádio. Não queria que eles perdessem aquela final por causa da sua dor nas costas. Que dia para se ficar todo travado! “Vão vocês, e levem a minha torcida”, decretou.

Preparou pipoca, salgadinhos, sucos e refrigerantes – o que não foi lá muito fácil, já que era complicado se mexer. Mas tudo ficou pronto antes do jogo. A emoção era grande. Uma final de turno do Estadual contra o Flamengo. Seu modesto Boavista de Saquarema estava fazendo história. Apesar disso, ele sabia que a vitória na semifinal sobre o Fluminense já havia sido um feito e tanto. Um vice-campeonato numa decisão contra o Flamengo seria uma honra para a equipe do interior fluminense.

Alguns minutos depois do início do jogo, bateram palmas na porta da casa de Gabriel. Ele deixou a pipoca e o refrigerante na mesinha da sala e foi apressadamente atender. Abriu a porta, atravessou o jardim, chegou ao portão e viu um menino. Chinelo, bermuda suja, cabelos desarrumados. Era bonito. Tinha uns 12 anos. Carregava um saco de balas. E vestia a camisa do Boavista de Saquarema.

- Balas, tio? Dez por um real. Baratinho.

Idade, realidade social, aspirações, ou seja, mundos diferentes. Mas algo unia o rapaz bem sucedido e o menino que vendia balas de porta em porta.

- Agora não é hora de trabalhar, menino. O Boavista está jogando.

Entraram. Torceram. Comemoraram o gol de Rafael Augusto. Dia histórico para o Boavista. O primeiro título da equipe. Nosso amigo de Saquarema se sentiu muito feliz por ter sentido dor nas costas naquele domingo. Os olhos do menino brilharam mais do que a taça recém-conquistada pelo time campeão. Uma lágrima escorreu pelo rosto dele. Várias, na verdade.

Foi a bala mais doce que Gabriel já experimentou.

2 comentários:

  1. Olá Nestário,
    muito legal passar por aqui e ler suas matérias que por sinal melhoram cada vez mais conforme o tempo passa.
    Passarei por aqui sempre que possível para ler seus artigos.
    Parabéns!
    Te desejo sucesso.
    Um abraço,
    Danilo Miralha Franco

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  2. Ótimo texto, Nestário! Lembro de uma crônica que você escreveu sobre irmãos que foram separados na infância e se reencontram anos depois numa final de campeonato... Se você ainda tiver essa história, publique aqui!

    Abraços!!!

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